Exploração

Trabalho infantil rouba a infância

Mais de 1,6 mil crianças são exploradas nesse sentido em Pelotas, um problema difícil de detectar, pois muitas vezes a própria sociedade não enxerga a atividade realizada pelos menores

Jô Folha -

Trabalho infantil é proibido e rouba a infância, porém mais de 1,6 mil crianças trabalham em Pelotas, de acordo com o Censo 2010. A equipe de referência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) da Secretaria de Justiça Social e Segurança acredita, contudo, existir maior número de casos, visto que os dados são de seis anos atrás. Só identificadas na rede pública de atendimento este ano são mais de 140 ocorrências de exploração de trabalho infantil e, a partir de hoje, inicia o roteiro de visitas a essas famílias. A ideia é inseri-las nos diferentes níveis de atenção básica e os menores, em serviços de convivência.

Na zona rural está o maior número de casos e também a área de mais dificuldade para identificação e abordagem. É cultural a questão do trabalho infantil na colônia, passado de pai para filho, ao longo de gerações. Mesmo recebendo denúncias, há dificuldade em detectar. As famílias não consideram exploração, pois foram acostumadas assim e não enxergam como tal. Muitas vezes a própria sociedade não vê assim, como no caso da mendicância.

Conforme a psicóloga da equipe de referência do Peti, Aline Crochemore Hillal, para cada tipo de trabalho infantil é preciso desenvolver um plano de ação. Em alguns casos as questões são mais assistenciais. Mas todos devem ser criteriosamente avaliados. Equipe volante do Peti faz a visita domiciliar e o encaminhamento das famílias a benefícios sociais, caso não tenham. Às vezes lidam inclusive com denúncias de violência agregada à exploração do trabalho infantil.

No roteiro a começar esta semana, a equipe volante vai percorrer as residências onde há notificações de casos, cujas famílias estão no Cadastro Único, e verificar se estão acessando o serviço. Este mês será possível visitar 20 das mais de 140 famílias que motivaram notificação na rede pública. A prioridade para 2017 é aprimorar o processo de monitoramento dessas pessoas.

A abordagem é delicada, não é possível chegar com caráter policialesco para não retrair a família. A equipe coloca-se como parceira para oferecer o suporte que necessita. O trabalho utiliza a rede - Conselho Tutelar, Centros de Referência de Assistência Social (Cras), escolas e Unidades Básicas de Saúde (UBSs) - porque não há pessoal suficiente para visitas a todas as áreas da cidade, que é dividida em territórios.

Para Aline, a baixa notificação no município não significa falta de ocorrências, o que existe são dados gerais totais defasados, baseados no levantamento do IBGE de seis anos atrás, por isso é importante aprimorar as relações com os diferentes setores para gestão da informação. Escolas, por exemplo, não é sempre que notificam casos dos quais têm conhecimento.

Além de monitorar os casos comprovados e melhorar a proteção social das crianças e famílias envolvidas, a equipe do Peti pensa em reativar o serviço vespertino, com profissionais saindo para abordagens em finais de tarde, o que atualmente não tem cobertura e é justamente nesse horário que os catadores de lixo reciclável estão na rua e com eles os filhos, muitas vezes apenas porque não têm com quem deixar, mas outras trabalhando junto.

Ações estratégicas
O Peti objetiva retirar crianças e adolescentes do trabalho precoce. Desenvolve ações estratégicas voltadas ao enfrentamento de novas incidências de trabalho infantil identificadas. Está estruturado em informação e mobilização, identificação, proteção social, defesa e responsabilização e monitoramento. Uma das formas utilizadas pelo Peti para garantir a sobrevivência das famílias de forma a não utilizarem o trabalho infantil é sua integração com o programa Bolsa Família.

Conselho Tutelar
O Conselho Tutelar em Pelotas atua dividido em regiões de abrangência, mas tem uma comissão de abordagem programada nas ruas. Há cerca de quatro meses não encontra nenhum menor na mendicância nas ruas, atividade considerada também trabalho infantil. Mas tem recebido queixas de que há menores pedindo esmola nos bares do Mercado Central e em eventos noturnos. A mendicância responde pelo maior número de casos na cidade, segundo informa a conselheira Aline Santos.

Têm crianças nas ruas que pedem e estão acostumadas a ganhar, e quando isso não ocorre ficam agressivas. A sociedade está tão acostumada com a mendicância que não entende se tratar de trabalho infantil, destaca a também conselheira Vanessa Bünchen. Um menino estava pedindo na sinaleira. Ao ser abordado, respondeu morar no Getúlio Vargas e precisava levar dinheiro para casa porque a mãe estava esperando. Os pais não se dão conta, muitas vezes, de que se essa criança não frequentar a escola, perdem o benefício do Bolsa Família. Vários casos ocorrem.

O Conselho Tutelar já flagrou criança trabalhando como pedreiro, mas o difícil é detectar os casos, pois o percentual de ocorrências é inferior às denúncias, dadas as dificuldades em obter provas, inclusive na zona rural. "Sabemos que tem, mas chegamos na casa e o filho já não está mais na lavoura", fala Vanessa. Como forma de alertar as crianças sobre o que é certo e errado, os conselheiros costumam palestrar nas escolas da colônia. Os pais também são convidados.

Nem sempre a presença de crianças em uma charrete significa que estão trabalhando. Existem muitos casos de os pais não terem com quem deixá-las. Moram em áreas de risco e preferem levar do que arriscar deixá-las sozinhas. Mas há outros em que realmente trabalham com os pais. A conselheira Cristiane Nornberg conta que há casos difíceis. Fez abordagem de família residente em uma moradia minúscula, com o enfrentamento de dificuldades de toda espécie, inclusive falta de alimentos. Nesses casos, acentua que as crianças não têm prazer de estar em casa e acabam indo para as ruas. "A mãe não é ruim, frequentam escola, mas não aguentam ficar em casa." Além de todas as dificuldades para apurar denúncias, muitas vezes elas não procedem, completa a conselheira Raquel Kern.

As faixas etárias do trabalho infantil
- Até 12 anos incompletos é considerada criança e NÃO PODE TRABALHAR.
- Ao completar 12 anos e até 18 anos incompletos é considerado adolescente. PODE TRABALHAR A PARTIR DOS 14 ANOS como menor aprendiz.
- A partir de 18 anos é considerado adulto e está PRONTO PARA TRABALHAR.

O que diz a lei
Segundo o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, trabalho infantil refere-se:
- Às atividades econômicas ou de sobrevivência, tendo lucro ou não, realizadas por pessoas com idade inferir a 16 anos, salvo na condição de jovem aprendiz, a partir dos 14.
- Dos 16 aos 18 anos o trabalho é permitido. Porém, algumas atividades são proibidas para menores de 18, por serem consideradas perigosas, insalubres ou prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social dos jovens. O trabalho doméstico é uma delas. Está proibido no Brasil desde 2008.
* No Brasil a exploração do trabalho infantil está presente em ambientes privados (como casas e restaurantes) e até públicos, como na limpeza de carros nas ruas e venda de produtos nos semáforos.

As piores formas de trabalho infantil
- Trabalho doméstico - Cuidar da casa exige movimentos repetitivos e força, o que pode prejudicar o corpo de uma criança ou adolescente, ainda em formação. Há também os riscos de acidentes com fogão, ferro de passar, facas e materiais de limpeza. Além disso o menor fica isolado, o que favorece casos de assédios moral, sexual e violência física. A prevalência nessas tarefas é maior entre as meninas. Nos demais segmentos, meninos são os mais identificados no trabalho infantil.
* Importante: Quando e somente na presença e acompanhamento dos pais, os menores podem lavar seu prato, arrumar a casa, varrer o próprio quarto, cuidar de seus brinquedos ou materiais escolares. Entende-se isso como parte de processo educativo, que ajuda na formação social da cidadania.

O que é crime
- O trabalho infantil é considerado crime quando envolve tráfico de crianças e adolescentes, exploração sexual, maus-tratos, venda de drogas e trabalho escravo (condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida).

DISQUE DENÚNCIA - Ligue 100 ou acesse o site do Ministério Público (www.mpt.gov.br) ou ainda vá ao Conselho Tutelar quando souber de um caso de trabalho infantil.

Dados de Pelotas
Incidência de trabalho infantil por área, casos e maior número de casos:

Locais, pelo ranking Casos
- Zona rural Lavoura
- Três Vendas Construção civil, reciclagem, serviços
- Centro Catadores, mendicância, tráfico
- Areal Serviços, tráfico
- Rodovias Comércio informal (venda de frutas, plantas e animais silvestres, foco de exploração sexual)
- Laranjal e Colônia Z-3 Pesca, exploração sexual

Roteiro de visitas do Peti na próxima semana
Três Vendas - 11 famílias
Centro - Seis famílias
Areal - Três famílias
Fragata - Duas famílias

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